Era uma Vez o Acabado – 5

Não existe nada pior que ser o vilão da história. Culpa. Sentença. Pena. E tudo vira inferno por conta de um gesto. Um dia. Um erro. É conviver com as ações. “Baby, since I’ve been lovin you”. Apesar de tudo, digo com o coração repleto de energias: otário é quem não sofre de amor. Cliché? Eu sei. Piegas? Concordo. Brega? Provavelmente. Mas essa é a ideia da vida. Transformar sua vida em samba-canção. O resto é rock. Dia-a-dia. Quatro por quatro. Sentir-se imigrante sempre que o despertador tocar ou o sol bater-lhe o rosto.

Led Zeppelin III

Compre esse álbum, leitor. O que esperar de uma banda como essa? Logo acima da música pop, almejando um jazz. Solos longos. O samba-enredo da vida. Altos e baixos. Santos e demônios. O interfone toca. Minha mãe viajou. É a ruivinha. Sem problemas. Rapidamente escovo os dentes. Duas borrifadas do meu melhor perfume. Nunca se sabe o dia de hoje. Vai que… a campainha toca.

Sabe quando os olhos estão inchados, mas secos de lágrimas? Sabe quando chorar deixou de ser opção? A ruivinha tira o ray ban e mostra um seca digna de Graciliano Ramos, de João Cabral de Melo Neto. Agrestes claros e pesados. Ela entra sem ser convidada. Não tive tempo de ser educado. Mulher sofrendo é meu calcanhar-de-Aquiles. Apesar de ser um ótimo consolo, na maioria das vezes fui mais útil como decepção. Ela senta e me pede um chá.

Chá? Melhor se fosse um whisky

Mulher bebendo sozinha

Créditos: shachar levcovich

Chá?! Essa é uma das horas que morar com a mãe salva. Eu jamais compraria chá para a minha casa. É café! Chá é água suja! Café ao menos tem função. Uma bela caneca de café termina prazos. Uma xícara de chá serve pra quê? Ainda assim, bom que minha mãe tenha uma caixa daquelas marcas inglesas. A ruivinha pede um berry da vida. Agora é a função. Esquentar a chaleira e fazer sala. Eu achava que ia foder.

Ela coloca leite e açúcar na xícara dela. Enquanto eu estava na cozinha, escorreguei um uísque para dentro da minha caneca. Duas doses de energético moral. Para mim, uísque é como um acelerador de sistema. Fico afiado. Esperto. Pronto para qualquer problema.

Se arrependimento matasse…

A ruiva se arrepende de ter trepado comigo. Olha, eu ainda estou no primeiro gole da minha bebida e já sou atacado como se bêbado estivesse. A vida oferece essas oportunidades de simplesmente levantar da minha poltrona, mandar essa puta se foder e expulsá-la de casa. Comigo não. Há um lado masoquista em mim. Sinto-me obrigado a ouvir as mazelas de todas as mulheres que feri. Dói-me mais ainda quando não ouço. Assim como aconteceu com a Anna.

As acusações são as de sempre. Ela pergunta a razão de eu nunca ter ligado, diz que ela jamais namoraria um cara como eu, sabe que eu fiquei contando mentiras pelos cotovelos para conquista-la e que se soubesse que eu sou esse tipo de cara ruim, não teria nem me cumprimentado. Esse último é problema dela. Eu sou asqueroso mesmo que distante, portanto, o risco é dela. Essa ideia de que beijar o sapo faz dele um príncipe é uma propaganda enganosa e perigosa. Existem tipos de sapos que são venenosos e não devem ser beijados. Eu, (in)felizmente sou um desses.

Vamos pra discussão

A questão é que o esporro da ruiva continua só com ofensas. Nada mais. Ela me ataca e eu calo.

  • – Você vai dizer nada? – ela pergunta
  • – A única coisa da qual você não reclamou foi da minha trepada. Quer dar mais uma?
  • – Ahhhh… foda-se…

Eu e a ruiva vamos ao meu apertado quarto. De certa forma, eu sempre estive certo. E continuarei eternamente certo enquanto todos os seres humanos se permitirem rebaixar a tanto. Por fim, quando vou acender meu cigarro na cama, ela retira o cancerígeno de minha boca e informa com a cara lavada:

  • – Estou grávida.