As escolas cervejeiras e suas peculiaridades

Quais são e quantas são as escolas cervejeiras? O que exatamente significa ser ou pertencer a uma escola cervejeira? Quais estilos de cervejas pertencem a quais escolas? Essas são perguntas que ouço frequentemente… Por isso resolvi escrever esse texto, para tentar esclarecer um pouco sobre o tema.

Mas o que são exatamente escolas cervejeiras?

Tulipas de cerveja caindo

Créditos: Ed Dorroh

É bem simples de entender, talvez não tão fácil de explicar. Mas vou fazer o meu melhor tentando esclarecer o assunto.

Existem dois tipos ou famílias de cerveja, Ales (de alta fermentação) e Lagers (de baixa fermentação), sendo que, o que diferencia as duas, é o tipo de levedura utilizada para fermenta-la. Então, uma cerveja ou é Ale, ou é Lager.

Ale vs. Lager

Todas as Lagers tradicionais tiveram sua origem e pertencem à escola Alemã. Já as Ales, estão divididas por todas as três escolas cervejeiras. Porém, não se iluda achando que a historia acaba entre ter que escolher entre Ales e Lagers. Exclusivas de cada escola cervejeira existem os mais variados e interessantes estilos de cerveja, cada um com suas peculiaridades e todos diferentes entre si.

Diferentes cores, sabores, aromas, teores alcoólicos. Cada estilo carrega sua personalidade e deve ser apreciado dentro dos aspectos estabelecidos como padrão para aquele determinado estilo. Para melhor maiores informações sobre estilos de cerveja, consulte o site do BJCP.

Quantas escolas cervejeiras existem atualmente?

Quadro negro com cerveja desenhada

Vamos estudar!

Créditos: John Ayo

A literatura tradicional atestará que existem três escolas cervejeiras atualmente, porém, eu, particularmente, acredito que existam quatro, as três tradicionais e seculares e uma que está se desenvolvendo há poucas décadas. São elas as escolas:

  • Alemã
  • Belga
  • Inglesa
  • E a recente e em desenvolvimento escola Americana

A escola cervejeira alemã

A escola Alemã, que se iniciou quando a Alemanha ainda fazia parte do Sacro Império Romano-Germanico, é marcada fortemente pela Reinheitsgebot, Lei da Pureza da Cerveja de 1516, que identifica como os ÚNICOS ingredientes da cerveja, o malte de cevada, o lúpulo e a água. Como a levedura ainda não havia sido identificada até Louis Pasteur descobri-la em meados do sec. XIX, ela não consta na lei da Pureza da cerveja original.

Alemãs bebendo cerveja

Coisa linda essa escola alemã

Créditos: bildkistl

Devido às limitações impostas pela Lei de 1516, os cervejeiros do Império Germânico foram forçados a estabelecer uma semelhança entre as cervejas produzidas, pelo fato de todas as cervejas do império serem feitas com as mesmas matérias primas e nenhuma outra mais.

Era proibido fazer cerveja com qualquer outro tipo de cereal que não a cevada malteada ou qualquer outro tipo de tempero que não o lúpulo. Isso garantia a qualidade da cerveja produzida e criou uma forte identidade da cerveja germânica.

Alemanha, berço das cervejas Lager

Os alemães são os pais das cervejas Laguer, (que em alemão significa guardar, armazenar ou armazém). De todos os estilos de cervejas produzidos na Alemanha, somente quatro não são Laguers (são Ales), são elas: a Weizenbier, a cerveja de trigo tradicional da Baviera, a Kölsh, original da cidade de Colônia, a Altbier da cidade de Düsseldorf e a Berliner-Weisse de Berlim.

Todos os outros estilos de cerveja, Schwarzbier, Munich Helles, Bock, Pils, Märzenbier, Oktoberfestbier, Kellerbier, Dunkel, Vienna, Doppelbock e qualquer outro estilo tradicional de cerveja feito nas atuais Alemanha, Áustria e Republica Checa, são Lagers.

Mas por que essa grande popularidade das Lagers?

Alemães sentados e bebendo cerveja

Créditos: John Camp

Como antigamente (antes do sec. XV) só era possível fazer cerveja nos frios meses de inverno, os alemães em meados do sec. XV revolucionaram o mundo cervejeiro ao começarem a armazenar grandes blocos de gelo formado nos lagos e rios, em grandes cavernas onde eles armazenariam (Laguer em alemão) a cerveja para ser consumida no verão.

Devido a esse processo, os alemães acidentalmente selecionaram um tipo de levedura mais resistente ao frio e que produzia cervejas mais límpidas e com menos sabores indesejados, muito antes de se ter conhecimento do que eram leveduras.

Nasce a levedura

Assim “nasceram” as leveduras de baixa fermentação, conhecidas pelo nome de leveduras Laguer, cujo nome cientifico é Saccharomyces Carlsbergensis em homenagem a cervejaria Carlsberg, onde Louis Pasteur trabalhava quando descobriu em seu microscópio o levedo.

A nobre escola cervejeira Belga

Copos de cervejas belgas

Isso sim é uma delícia!

Créditos: deJokke

A escola Belga, diferentemente da Alemã, não foi marcada por uma lei restringindo os ingredientes ou processos de produção. Por não ter pertencido ao Império Germânico, a Bélgica nunca foi submetida à Lei da Pureza de 1516 e tem a sua cultura cervejeira inalterada há séculos e é bastante diferente daquela encontrada na Alemanha.

Na Bélgica, tudo aquilo que pudesse agregar sabor ou valor a cerveja era válido ser experimentado. Ou seja, as cervejas poderiam ser feitas com diversos tipos de cereais, podiam ter adições de frutas e mel, podiam além do lúpulo, receber outros temperos, como no caso das Witbiers onde é adicionado alem do lúpulo, cascas de laranja e sementes de coentro, podiam conter açúcar e caramelo na sua formulação, algumas cervejas não eram nem inoculadas com fermento, eram simplesmente deixadas para serem fermentadas espontaneamente por micro-organismos presentes na atmosfera.

A Bélgica e seus monastérios

A Bélgica e suas cervejas são marcadas pelos seus belos monastérios, cujos muitos deles até hoje produzem cerveja como produziram por séculos. Nesses monastérios foram formuladas muitas das mais tradicionais cervejas produzidas até hoje, como as Trappistas, Blondes, Brunes, Dubbels, Trippels e Quadruppels, todas elas cervejas de alta fermentação (Ales) e normalmente bastante condimentadas e excêntricas.

Várias garrafas de cervejas com rolha

Créditos: Tyler Grandmaison

A complexidade das cervejas belgas não vem simplesmente do fato de na Bélgica se poder usar praticamente qualquer ingrediente na produção da cerveja, vem das cepas e blends de leveduras que as cervejarias e monastérios por séculos cultivaram e guardam a sete chaves.

Belgas com sua cultura de levedura

Como a maioria dos monastérios que produziam cerveja se isolava da civilização e mantinha os conhecimentos cervejeiros dentro do monastério quase como um segredo, cada monastérios propagava sua própria cultura de leveduras, cada uma delas com características diferentes umas das outras encontradas em outros monastérios. O que acarretava em cervejas completamente distintas feitas nos diferentes monastérios.

Pode-se afirmar que o maior segredo das cervejas belgas está nas leveduras. São elas as responsáveis pelos sabores distintos das cervejas Belgas. Um mosto produzido para se fazer uma Bock, por exemplo, se ao invés de a inocularmos com levedura Lager, inocularmos com uma cepa de leveduras belga, ela não será mais uma Bock (pois não foi fermentada com levedura Lager), mas terá um perfil de sabor bastante parecido com uma Belgian Dubbel, simplesmente pelo fato de ser fermentada com uma levedura belga.

Cervejas de fermentação espontânea

Copos com cerveja do estilo Lambic

Créditos: L.A. Sates

Uma peculiaridade das cervejas belgas são as Lambics, Geuzes e Krieks, que são cervejas de fermentação espontânea. Cujo cervejeiro não inocula a levedura que irá fermentar a cerveja, ele simplesmente deixa que a natureza faça seu trabalho. Após resfriar o mosto recém-pronto, o cervejeiro despeja-o em grandes “piscinas” rasas dentro da cervejaria e abre a janela, literalmente, para que os micro-organismos presentes na atmosfera entrem em contato com o mosto para então fermenta-lo.

Essas cervejas, por terem sido fermentadas por uma microflora não padronizada (como na maioria das cervejarias), têm sabores bem distintos e normalmente ácido, devido à atuação de bactérias produtoras de ácidos orgânicos.

Dentro do mundo das cervejas belgas, há sempre algo novo a se experimentar e nem sempre uma cerveja belga se enquadra perfeitamente a um estilo existente.

A escola cervejeira Inglesa

Bastante diferente das escolas alemã e belga, ela é marcada por suas Ales, em sua grande maioria escuras, servidas em pints e muitas vezes condicionadas em barricas de carvalho. As Ales britânicas, não limitadas as cervejas produzidas na Inglaterra, porém em todas as ilhas britânicas, são cervejas normalmente mais escuras, com caráter mais maltado e uma carbonatação mais amena.

Garrafa e copo da cerveja London Porter

Até meados do sec. XV não se utilizava lúpulo para temperar as cervejas britânicas, eram temperadas com ervas e condimentos locais. A partir do sec. XV foi introduzido o lúpulo na Inglaterra e os ingleses chamavam as cervejas temperadas com lúpulo de “beer” (normalmente importadas dos reinos germânico e saxônico) enquanto as cervejas tradicionais britânicas, aquelas feitas sem lúpulo eram chamadas de “ales”.

Britânico é um bom bebedor

Para os britânicos cerveja é coisa seria e eles dão muito valor às cervejas que bebem e normalmente se identificam com o tipo de cerveja produzido localmente. Como sabemos, os britânicos gostam bastante de beber e não bebem pouco, por isso a grande maioria das cervejas britânicas é de teor alcoólico mais baixo e são normalmente fáceis de beber, como é o caso das Bitters, que são cervejas reconhecidas por serem as cervejas dos camponeses, da qual eles podem beber o dia todo e continuar trabalhando.

Há também a famosa London Porter, largamente consumida por toda população britânica, cuja popularidade gerou diferentes interpretações do estilo, como a Brown Porter, Baltic Porter e a Robust Porter.

Porter, a precursora das Stouts

Entrada da Guinness Academy

Vem todo mundo!

Créditos: Aaron Sarauer

A Porter é a cerveja precursora do estilo conhecido hoje como Stout e todas as suas interpretações. A Stout (que em inglês quer dizer robusto) nasceu da ideia de copiar a popular London Porter, porem a cópia feita era mais encorpada e robusta que a Porter original, o que acarretou em um estilo novo de cerveja hoje muito popular nas ilhas britânicas, principalmente na Irlanda, onde a Guinnes é a marca registrada do país.

Tem cerveja britânica forte e de respeito

Mas não se iluda achando que toda cerveja britânica é sempre fraquinha, os ingleses também criaram cervejas que são a base para algumas das mais fortes e peculiares cervejas feitas até hoje. Como é o caso das Barley-Wines, IPAs e Imperial Stouts.

Enfim, a recente escola Americana

E por fim, porém não menos importante, a escola Americana, que está a se estabelecer há algumas décadas. A escola Americana se destaca principalmente por não ser somente uma escola no singular. A grande peculiaridade da escola Americana é o fato de ela ter incorporado todas as três escolas cervejeiras em uma completamente nova.

A lei seca americana

Foto da Lei seca americana

Antes da promulgação da lei seca em 1920, os EUA tinha algo em torno de 1800 micro-cervejarias, em sua grande maioria operadas por imigrantes europeus e filhos de imigrantes que detinham a técnica de fazer cerveja. Em 1933, quando foi posto um fim a lei seca, sobraram menos de 60 cervejarias em todo o país. O que acarretou no desastre dessas grandes companhias cervejeiras que distribuem o mesmo produto padrão e de má qualidade que temos hoje pelo mundo afora.

Porém na década 60, aproximadamente, grupos de cervejeiros caseiros começaram um movimento que se espalhou pelo país inteiro e hoje é uma febre. Esse movimento é conhecido como “craft brewing” e hoje os EUA já tem algo em torno de 1300 micro-cervejarias em operação.

As cervejas americanas (é claro, estou falando daquelas artesanais e não das produzidas em massa), são caracterizadas pela nova interpretação de estilos já existentes de cerveja.

A mania americana de gostar de um “plus”

Garrafas da cervejaria Brew Dog

Créditos: Dave Banks

Os americanos gostam de tudo “mais”. Assim como gostam de seus carros mais potentes, maiores, mais espalhafatosos, com pneus grandes, chamativos e mais, mais e mais. Os americanos gostam e fazem cervejas mais amargas, mais alcoólicas, mais encorpadas, mais robustas, com ingredientes mais incomuns, como abóbora e bacon, sempre tentando criar algo novo e com aquela personalidade americana.

Os americanos são responsáveis pela reinvenção de alguns estilos de cerveja, como as American IPAs, que é uma interpretação americana da IPA britânica, porém com uma maior presença do lúpulo na versão americana que na versão britânica, alem do fato de se utilizar nas American IPAs lúpulos americanos com caráter mais cítrico.

O surgimento do estilo Imperial IPA

Garrafa de uma cerveja do estilo Imperial IPA

Coisa linda s2

Créditos: Matt J. Wiater

Não bastando ter reinventado as IPAs, tiveram de inventar algo ainda mais extraordinário, as Imperial IPAs, ainda mais alcoólicas, com muito mais malte, muito mais amargas, e claro, mais aromáticas que as IPAs.

Nos EUA qualquer estilo de cerveja pode ser transformado em uma “Imperial alguma coisa”, Imperial Pilsen, Imperial Kölsch, Imperial Amber Ale e por assim vai.

Finalizando

Os americanos adorar fazer cervejas extravagantes e diferentes, resgatando até receitas a milênios esquecidas e trazendo-as de volta a vida, como é o caso das cervejas Chateau Jiahu e Midas Touch da cervejaria Dogfish Head.

As cervejarias americanas impressionam com suas cervejas imponentes e diferentes e provavelmente continuarão a nos provocar com suas cervejas cada vez mais interessantes.

E você, com qual escola cervejeira se identifica?