O Destino Abunda – Capítulo Final

Evandro me coloca pra aparecer no programa do Luciano Huck. O Caldeirão é maior do que eu imaginava e a equipe é muito legal. Na real, eu vivi a vida odiando o Huck, mas até que ele é um cara maneiro (dentro do possível). Só é chato ele ficar me empurrando aquele hambúrguer meia boca que ele vende.

Minha última coluna do Estadão foi mais reflexiva. “QUERO QUE TODOS PAGUEM PELOS SEUS ERROS” fala sobre como a impunidade só existe para os poderosos. Como exemplo eu dou a Lava Jato, que prende políticos e engenheiros, faz um projeto de lei chamado Anticrime, mas nunca enfrentou o cartel das construtoras. Nunca. Falo dos Meninos do Ninho, que foram queimados na sede do Flamengo, mas ninguém da direção deixou de comemorar os títulos do clube, não indeniza as famílias das crianças. Falo da tragédia da Samarco que, no final das contas, nem foi um prejuízo daqueles.

Errou? Tem que pagar…

Eu só defendi o ponto de que todos precisam pagar pelos seus erros. E que todos são todos mesmos, mas que nem por isso deveríamos negar o perdão. Lula, Cunha, Malafaia, Landim, Felipe Neto… todos merecem perdão e pena.

Dessa vez, a Globo mostra o meu vídeo na empresa, de quando xeroquei a bunda e destratei as pessoas. Eu empurrei mulheres. Eu desrespeitei a copeira. Eu passei a mão na bunda da estagiária. Dei um hippon no Office boy. Soquei o chefe. Mano… eu bebo e viro um monstro. Mostram também que no primeiro dia da venda do folhetim eu roubei o dinheiro do bar e por isso tinha tanta grana. Mostram um vídeo meu hipnotizado pela bunda da cantora da banda Melim. Mostram erros meus que eu nem lembrava de cometer.

São coisas que a gente faz e que, quando coladas num vídeo bem editado e com boa trilha sonora, nem consegue questionar o teor. Eu sou o monstro que eu queria matar. Fui machista, racista, homofóbico e tantas coisas que abomino. A mudança deveria começar em mim, né?

Agora é tarde.

Ao vivo, Luciano, todo polido nas palavras, me condena como uma pessoa má, mas que eu tenho uma possibilidade de mudar o destino. Luciano Huck e a XP me oferecem a oportunidade de recomeçar do zero. Todo aquele contrato que assinei sem ler era pra participar desse programa. Loucura loucura. Eles querem que eu dance ao som de É o Tchan e com a roupa da Carla Perez, que é pra valorizar minha bela bunda.

– Querido Armando – diz Huck – aqui no Caldeirão a gente acredita em perdão e em pena. Assim como você, que pode ganhar um milhão de reais, se tornar garoto propaganda da XP e lançar seu livro por uma grande editora.

Ser garoto propaganda não é bem como eu imaginava. Eles não me querem como uma Bettina ou um Huck, que mentem em rede nacional. Eles me querem como piada. “Quem fala mal do mercado financeiro, dança pra ganhar dinheiro”. O slogan é ruim e me diminui. A ideia é fazer piada com quem duvida do poder do mercado e do capitalismo. No caso… eu sou a piada.

Agora fudeu…

A luz foca em mim. O caldeirão e o Brasil silenciam. Estou ao vivo. Eu já sei todas as coreografias do É o Tchan. Quem não sabe? A gente foi criado na boca da garrafa. Na dança da cordinha, no Ulálá de lá pr’aqui, Arigatô Sayonará, e por aí vai. Penso em toda a vergonha que passei pra chegar até aqui. Será que é hora de desistir? Sou vencedor ou perdedor? Abrir mão disso tudo e manter a moral? Foda-se a moral e me aposentar antes dos quarenta?

Não importa o que eu faça, eu nunca vou ganhar. Só esses caras aí ganham. Os Hucks, os Leifferts, os Guedes, Maias, Bolsonaros, Dirceus, Lulas… A gente só perde. E eu sou homem branco, clase média e blá blá blá… e ainda assim sou nada demais. Existem castas dentro do privilégio. Eu me achava perto do Monte Olimpo, logo abaixo dos deuses. Mas abaixo do paraíso somos todos meros mortais. A gente que é pequeno e se divide, atacando uns aos outros. Quem ganha são sempre os mesmos. Crise de 29, de 2008… não importa. Esses caras não sucumbem.

– E aí, Armando? Topa qualquer coisa pra viver o seu sonho de ser escritor? Ou vai desistir, ficar endividado e desempregado como mais de dez milhões de brasileiros?

Finalizando…

Esquerda e direita me odeiam. Brancos e negros me odeiam. Homens e mulheres me odeiam. No fim, foi tudo em vão. Foi tudo pra chegar aqui e perceber que nada ganhei. Viver é um trabalho de Sísifo. A gente vai ralar e nunca vai ser do Monte Olimpo e enquanto esses deuses existirem, não seremos felizes. A gente vai passar o resto da vida na mão desses exploradores? Até quando vamos aceitar viver assim?

As câmeras focam em mim. Respiro fundo e…

– Som na caixa, maestro Billy!