O Destino Abunda – Capítulo 2

Em lugar hype a sala de reunião é “clean” e minimalista. Evandro não faria diferente. Ele é medíocre como todo publicitário ou marqueteiro. Com o olho roxo do socão que tomou, meu chefe vagarosamente acorda. Eu sou ansioso demais pra esperar ele melhorar e questiono o que aconteceu.

E o que aconteceu?

Resumindo: teve uma festa na empresa comemorando o sucesso de um trabalho meu. Bebida liberada. Já falei em vícios, né?

Num mundo em desconstrução, uma marca de absorvente íntimo pediu um texto que estimulasse o homem a comprar absorvente para suas companheiras. Sei lá. Eu acho isso um equívoco. Quem tem que escolher o absorvente é a mulher, não o homem. O corpo é dela. Mas o capitalismo é isso. Só lacra pra lucrar. Pois bem… eu estimulei um bando de macho a sair de casa, comprar um absorvente interno sem consultar a companheira e dar como presente. Isso aumentou a venda do absorvente em 35%. É muito homem burro dando ouvido pra propaganda.

Eis que surge a empolgação…

homem sentado na impressora
Básico…

O problema é que eu me empolguei na festa. Misturei bebidas. Fui babaca com os colegas de trabalho. Xeroquei minha bunda duas mil vezes e joguei todas as fotocópias pela janela. No instagram eu sou meme. No twitter, meus 300 seguidores me cancelaram. Apaguei meu facebook e coloquei uma foto do meu órgão genital no linkedin com a legenda “REDATOR PICA!”. Só o Tinder ficou ileso.

Enquanto a baixa autoestima cava o túmulo, a minha autoestima lá em cima me enterra. Eu não fui criado pra receber elogios ou biscoitos. Cresci sob críticas e dúvidas. Cheguei onde cheguei apesar dos pesares. Por isso eu tenho espaço na publicidade. Eu posso ser uma pessoa merda, mas sou tão bom no desenrole que vendo absorvente interno pra homens. Talvez seja um dom. Talvez maldição. Dou lucro pra alguém que já é rico.

Porém…

Mas não tem desenrole com Evandro. Um homem que apanha se rende ou fica irredutível. Com quatro seguranças na sala, ele não precisa se render. Evandro me demite falando alto e soltando perdigotos rosa-sangue. O ex-chefe ainda me faz pagar pela máquina de Xerox com meu “aviso prévio”. Os funcionários ficaram com nojo da máquina. Eu compreendo. A bunda é minha, mas eu também tô com nojo da Xerox.

Caminhando após a derrota

Rei do Boteco
Melhor um bêbado conhecido do que um alcoólico anônimo

Desço pra portaria do prédio empurrando a pesada máquina de Xerox. Sou reconhecido pelos populares. A bunda preta e branca ganhou um rosto na internet: o meu. Justo. Pra compreender melhor a minha situação, pego uma cópia da minha bunda abandonada no chão da Avenida Rio Branco e reparo que entre as nádegas sai uma cordinha. Se eu me conheço, encharquei o absorvente em álcool e enfiei em mim como prova de que isso é capaz ou não de dar onda. Bem… estou aqui de moicano e acordei com a cueca colada na pele.

Perdi o emprego por conta do comportamento. Eu posso ser péssimo em ambientes de trabalho, mas sou bom na escrita. Não sou incompetente, sou inviável. Talvez o meu futuro seja diante do computador escrevendo minhas coisas e batendo punheta como eu sempre sonhei. Sem contato com seres humanos e sem cobrança do chefe. Se a vida me dá um limão, eu faço bronzeador caseiro.

Finalizando

Arranjo um frete e levo a máquina de Xerox para a minha casa. Sempre quis ser autor de folhetins. Essa é a minha chance. Sou escritor. Tenho o computador. A Xerox é minha editora. Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida. Pensar assim me deixa nervoso e bloqueia a minha criatividade. Rego a imaginação com fogo paulista. Enfio o telefone no pote de arroz. Sento diante do computador e…

Melhor eu regar mais a minha imaginação.

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