(Primeira) viagem às vinícolas de Mendoza

Numa época em que tenho bebido bem menos do que eu gostaria, marcar viagem de férias para um dos principais destinos de enoturismo das Américas já dá quase certeza de uma experiência memorável, principalmente para as Vinícolas de Mendoza.

Mesmo assim, tem tanto material publicado em sites especializados em viagens e vinhos que fiquei com um pé atrás se escreveria a respeito ou não.

Em parte, também por algum preconceito meu em relação aos vinhos argentinos – confesso que sempre tive maior queda pelos vinhos chilenos e uma grande admiração pelos uruguaios.

Fico feliz em dizer que estava redondamente (com trocadilho!) enganado! Tem tanta variedade (e qualidade) por lá que o assunto não se esgotaria nem em 10 viagens. Então, vamos ao que foi a minha primeira (espero eu, de muitas).

Planejamento para as Vinícolas de Mendoza

mulheres vinícolas de Mendoza

Photo by Armando Castillejos

De acordo com a maior parte das pessoas com quem conversei, cabe dividir as visitas da viagem de acordo com as 3 principais regiões produtoras: Maipú, Luján de Cuyo e Vale do Uco.

As duas primeiras são relativamente próximas (de 20 a 30 minutos de carro). Já o Vale do Uco fica pouco mais de 1h ao sul de Luján de Cuyo. Escolhi as vinícolas a visitar com base em experiências etílicas anteriores, acatando uma ou outra dica de viajante.

Recomenda-se visitar em média 3 vinícolas por dia, como muitas oferecem almoço harmonizado, fiz roteiro com almoço harmonizado + 2.

Como marquei a viagem para alta temporada, muitos me recomendaram que preagendasse as visitas, especialmente nas mais badaladas. Visitando os sites de cada uma delas, geralmente há um formulário de contato, reserva ou email do tipo turismo @ nome da vinícola.

De todas, a única que eu não consegui marcar foi logo a mais famosa – Catena Zapata. Apesar de entrar em contato 1 mês antes da viagem, os horários de visitas se esgotaram 4 meses antes. Talvez por isso, eu tenha instintivamente buscado mais vinícolas pequenas ou pouco conhecidas.

Pesou também a impressão de que visitas aos vinhedos, barris e tanques acabam sendo tudo muito parecido, então procurei focar nas diferenças entre elas: a degustação dos vinhos em si.

Logística

No geral, quem vai para Mendoza focando beber a maior quantidade de vinhos possível apela para contratar as visitas com agências de turismo, com o próprio hotel, ou contratando um motorista (remis).

Acaba saindo mais caro, então preferi alugar um carro e me hospedar em cada região. Como na viagem tinha quem não fosse beber, não precisaria apelar para motorista. No final das contas, isso se provou essencial especialmente para as vinícolas do Vale do Uco, em função da distância (remis costuma cobrar mais caro nessa região).

Vinícolas de Mendoza: Maipú

Na prática, poderia visitar as de Maipú e de Lujan de Cuyo juntas (uma região fica bem perto da outra), mas como deixei os dias no centrinho de Mendoza só pra passear, as de Maipú ficaram para o dia que eu desceria de carro até o Vale do Uco.

Me programei para ir na Zuccardi, na Casa El Enemigo e na Carinae, mas no final das contas fui só nas duas últimas. Em Maipú a Zuccardi concentra a produção do vinho Santa Julia, que eu gosto mas não tinha taaanta curiosidade de conhecer mais a fundo.

Vinícolas de Mendoza: Casa Vigil (El Enemigo)

barris de vinho vinícolas de mendoza

Photo by Timur M

Produção independente de Alejandro Vigil, que vem a ser o enólogo da famosa Catena Zapata, e conta com um restaurante muito elogiado. Produz desde vinhos varietais mais simples (El Enemigo Malbec, Bonarda, Cabernet Franc etc) até os blends Gran Enemigo, sendo os melhores com uso predominante da uva Cabernet Franc (85%).

Paramos lá pra almoçar e pudemos ver o próprio Alejandro passando pelas mesas e conversando com alguns visitantes. Fiz uma degustação de 3 rótulos Gran Enemigo (sendo 2 deles de mesma composição, mas de uvas de regiões diferentes) e gostei bastante.

No entanto, os vinhos ainda estavam longe de seu potencial máximo – eram vinhos de 2014 mas com grande potencial de guarda. Comprei uma garrafa do Gran Enemigo Agrelo (que foi muito bem avaliado pelo Robert Parker) e pretendo guardar pelo menos por mais 3 anos.

Vinícolas de Mendoza: Carinae

Fundada há cerca de 20 anos por Brigitte e Philippe, que aproveitaram um programa de demissão voluntária para sair da França e vir para a Argentina produzir vinhos.

O nome é inspirado numa constelação só visível no hemisfério Sul (Philippe é apaixonado por astronomia). É um bom exemplo da chamada vinícola de garagem – produção pequena, quase sempre familiar e artesanal.

Brigitte esbanja simpatia, especialmente quando fica claro que viemos de tão longe para conhecer (e, se possível, comprar) os vinhos feitos por eles.

Destaque para o Prestige, um blend de malbec, syrah e cabernet sauvingon, feito bem à moda de Bordeaux, e para o Octans, feito de malbec com um pouco de syrah, que só é vendido na bodega.

Vinícolas de Mendoza: Vale do Uco

garrafa e rolha de vinho

Mais ao sul da província, o Vale do Uco é composto por várias microrregiões produtoras – Tupungato, Tunuyán, Los Chacayes, Los Sauces, Vista Flores, Gualtallary, etc – com várias vinícolas de renome internacional, como Catena Zapata, Salentein, Domaine Bousquet, Andeluna, Susana Balbo, etc.

Não teria tempo de explorar nem metade delas nesta viagem, então optamos por nos hospedar numa vinícola pequena – a Gimenez Riili, que fica num complexo de pequenos produtores chamado The Vines of Mendoza.

O lugar é tão bonito e dá tantas opções de enoturismo que numa próxima viagem devo ficar pelo menos 3 dias por lá.

Os vinhos da Gimenez Riili valem a pena sim, mas a bodega nos ganhou mesmo pela simpatia e hospitalidade. Aproveitamos para conhecer os irmãos da SuperUco, que fazem os vinhos Zorzal, Livvera (feito da uva Malvasia, bem diferente do que estamos acostumados), Calcáreo e SuperUco Fratello.

Interessantes e com um ótimo preço, destaque para o Calcáreo Malbec (não tão frutado quanto os malbecs que costumamos beber por aqui) e para o Fratello, orgânico e com alto potencial de guarda.

Subindo para Luján, paramos para almoço na Casa Petrini, em Tupungato, onde provamos um ótimo rosé de malbec e o Casa Petrini Malbec, que ganhou 91 pontos no guia Descorchados, especializado em vinhos sul americanos.

Nos programamos para parar também na Domaine Bousquet, vinícola enorme e que é conhecida por sua produção ser 100% orgânica (sem uso de pesticidas e fertilizantes químicos), mas como seguia a cartilha americanizada de visitas guiadas e degustações com hora marcada, deixamos para uma próxima vez.

Vinícolas de Mendoza: Luján de Cuyo

taça de vinho e uvas

Luján e suas microrregiões tem uma infinidade de vinícolas de todos os portes a uma curta distância de carro / táxi / remis. Como é composta por vários pequenos núcleos urbanos e muitas estradas arborizadas, é um lugar que dá pra ficar por bastante tempo, alternando enoturismo com passeios não alcoólicos.

Na lista de possíveis visitas, estavam Ruca Malén (na região de Perdriel), Achaval Ferrer (recentemente adquirida pelos russos donos da Stolichnaya), Vistalba e Carmelo Patti.

Deixamos dessa vez nos guiar pelas recomendações dos locais, e com isso descobrimos a ótima Clos de Chacras (na região de Chacras de Coria). Vinícola centenária, ainda tocada pela mesma família desde sua fundação. Além de um lugar bem bonito, o almoço harmonizado foi o melhor custo benefício da viagem.

Saímos bem contentes, de posse de um ótimo malbec por um preço bastante em conta, e achando que não teríamos mais boas surpresas na viagem. Achamos errado… ! (ok Rogerinho).

Era final de dia, e pensava que talvez fosse tarde demais para visitar a Carmelo Patti, autêntica vinícola de garagem, muito recomendada por amigos que lá estiveram.

Fui na sorte, cheguei em cima do último horário (sem marcar) já pedindo desculpas a um senhor que nos recebeu, que simpaticamente me disse ‘No te moleste, pare su auto y venga a conocer nuestra bodega’. Carmelo Patti em carne, osso e simpatia.

Toda a apresentação do processo e da vinícola foi feito por sua filha Claudia, pois Seu Carmelo estava atarefado com os detalhes da colheita, que começaria 2 dias depois. Processo quase totalmente tocado pela família (salvo 1 ou 2 empregados), produção comprada do mesmo produtor há 30 anos, processo todo feito no galpão do casarão.

Até engarrafamento e rotulagem são feitos manualmente. Nenhum vinho fica menos de 5 anos com os Patti antes de serem vendidos. Pensei “um vinho com esse cuidado todo deve custar uma grana”. Pouco depois, Claudia pareceu ler nosso pensamento dizendo que um bom vinho não necessariamente custa caro.

Degustamos 3 rótulos, com destaque para um cabernet sauvignon de 2009 e um assemblage também de 2009, absolutamente divinos. Possivelmente o melhor cab. sauvignon que já bebi (e olha que não foram poucos). O preço? Duas garrafas pelo preço de um vinho top de uma das outras vinícolas que visitamos. Se eu tivesse ido só na Carmelo Patti já valeria a viagem!

Balanço da viagem

tyrion lannister segurando taça de vinho

Nosso planejamento funcionou dentro do que nos propusemos, mas a viagem nos trouxe vários insights de coisas a fazer numa próxima visita. Sim, Mendoza merece ser visitada mais vezes.

Para quem não é tão fã de vinhos, uma ida de 6 dias com visita ao Aconcágua (fronteira com o Chile) tá de bom tamanho, mas não é o nosso caso. Numa próxima vez, penso em ficar todo o tempo em Luján de Cuyo, se possível na região de Chacras de Coria.

A simpatia e o preparo dos mendocinos foi uma grata surpresa, mas depois de alguns dias esse esquema de menu de X passos meio que enche um pouco o saco. Nesse sentido, cabe focar nas visitas as vinícolas somente em degustações e passeios, deixando para almoçar em restaurantes especializados.

A região também começa timidamente a explorar outros paladares etílicos com algumas ofertas de cervejas artesanais, especialmente ali no centro de Mendoza, mas deixamos para uma próxima vez. Por mim, já podia ser ano que vem (quem sabe?).

Foto de capa: Photo by Nicolas Perez