Era uma vez o acabado – 1

Odeio essa situação. Encontros às cegas sempre foram e serão furadas. A menina é bonita. Linda. Ruiva, magrinha, sorridente e cheia de energia e estilo. Não poderia dar um ponto negativo à ela. O problema desse encontro sou eu. Ela não poderia me dar um ponto positivo – o que é assaz compreensível.

Estar ciente de que a outra parte não lhe quer desde que você chegou é uma merda. Não é uma baixa autoestima minha. Na verdade sou bem arrogante. Seguro de mim mesmo. Aprendi meus limites e minhas verdades. Sei onde piso. Esse encontro às cegas é um fracasso do momento em que ela me viu. Ainda assim, finjo que não dei por derrotado e continuo o papo conforme a educação dela permite.

Papo vai, papo vem…

Estamos no lar de um casal de amigos. Há outras pessoas, mas o casal aproveitou que eu e a ruivinha somos os recém-separados e nos colocaram nessa saia justa. Num determinado momento, quando o homem da casa vai apertar um baseado, ele puxa um livro da estante – como se não fosse uma coisa planejada por ele – e mostra à ruivinha.

Casal lendo livro

Que bosta de livro hein…

Créditos: Coertje Feil

  • – Ah, você já publicou um livro? – ela me pergunta num mix de espanto e desdém.
  • – Na verdade esse é o primeiro, é um livro de contos e eu sou um dos autores convidados. É que eles não compraram o segundo. Nem foram no lançamento. – respondi educada e sinceramente.

No Rio de Janeiro é assim mesmo. Todo mundo tem um amigo que publicou um livro. Mesmo com a suposta falência do mercado editorial, existe uma cacetada de pessoas com esse sonho e que tiram do próprio bolso o dinheiro para realiza-lo. Eu sou um desses.

  • – E você escreve sobre o quê? – a ruivinha pergunta

Sobre o que eu escrevo? Sobre a vida. Sobre esse tipo de situação. Sobre os fracassos que constantemente batem à minha porta. Sobre como pode ser a derrota um convite à aventura e não um final infeliz. Escrevo na primeira pessoa.

  • – Escrevo sobre qualquer coisa – respondo.

Toma-lhe toco, fdp…

Peço licença e vou ao banheiro. Não estou com vontade. É só o desejo de sair dessa conversa educada. Ela não tem interesse e está se esforçando ao máximo para adiar o toco. Então, por um erro de arquitetura, de dentro do banheiro, ouço com clareza o sussurro entre a ruivinha e a dona da casa.

Ruiva em cima de um caminhão com um cachorro

Vai embora, coisa chata

Créditos: Michael Schneider

  • – Ai, amiga, não vai rolar. Ele tem nada a ver comigo.

Era o que eu precisa para dar a noite como terminada. Programo meu celular para tocar em quinze minutos. Puxo a descarga só pela encenação e lavo a mão. Vou fingir que um amigo me ligou e saio correndo na busca de um outro local que sirva uísque. Saio do banheiro e dou de frente com a ruivinha folheando meus contos. Ponto negativo para mim.

Eis que…

Sento entre os homens e começo a falar besteira. O celular toca. É o despertador que programei. Finjo uma conversa ao telefone, como se algo interessante acontecesse em algum lugar do Rio de Janeiro (nunca tem algo interessante, é sempre algo do mesmo). Despeço-me de todos educadamente e, na porta, a ruivinha me interpela:

  • – Isso o que você escreveu é verdade?

Não é verdade. Claro que não é. Biografia só serve para as pessoas interessantes e que mudaram a história. Eu vivo de ficção. Mentiras. E um tiquinho de sacanagem. “Muitas vezes a vida pode ser uma inspiração?” Claro que pode, mas não é comum.

  • – Sim. Quase tudo é verdade. Menos a parte do traveco. – respondo e vejo-a rindo

A ruivinha se aproxima de meu ouvido e pergunta para onde vou e se ela pode ir comigo.

  • – Claro que pode, mas com você eu mudo os planos. – respondo
  • – Isso é bom ou ruim?
  • – Pra você será ótimo.

Ela volta para dentro de casa, deixa o livro numa cadeira, pega a bolsa, se despede correndo dos outros e sai comigo.

Ela percebeu que não se julga um livro pela capa. Eu, que nunca aprendi a lição, continuo fazendo propaganda de coisas que não possuem conteúdo. Ao lado de uma das mulheres mais lindas que já vi na minha vida, preciso ser criativo e surpreendê-la. A parte mais difícil: agradar uma mulher.

Acho que tenho uma ideia!